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Um ano depois, consórcio do impeachment caminha para banco dos réus

3 de setembro de 2017

Fonte: El País

Por Daniel Haidar

Há doze meses no Planalto, Michel Temer se prepara para nova e última flecha de Janot.

O presidente Michel Temer e ministros na quinta. ADRIANO MACHADO REUTERS

Presidente lidera coalizão que tenta se salvar da maior operação anticorrupção da história

Em 31 de agosto de 2016, o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff terminava com a votação derradeira no Senado pela perda do mandato presidencial. Nesta quinta-feira, Michel Temer completa um ano como o ocupante oficial do Palácio do Planalto, mas também depende do Congresso para sobreviver no cargo. Não há dia em que Temer não precise se acertar com os fiadores da queda de Dilma para não acabar como a sua antecessora, afastado pelo Congresso – derrubado na próxima flechada do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

A marca de um ano de governo efetivo é um indicador limitado do desempenho de qualquer governante. Mas o ex-presidente Itamar Franco (1930-2011) também assumiu o Planalto depois de um impeachment em um momento de crise nacional e, nesse curto período, teve disciplina e rigor para trazer estabilidade ao país e iniciar o lançamento de uma nova moeda. Embora Temer tenha governado por decreto para obter a aprovação de medidas impopulares, desde maio só conseguiu concentrar seu tempo na própria defesa das acusações de corrupção enredadas no acordo de delação premiada do empresário Joesley Batista. A entrega filmada de propina para o ex-deputado federal e ex-assessor presidencial Rodrigo Rocha Loures (PMDB), da qual Temer foi apontado como o destinatário final pela Procuradoria-Geral da República, exigiu que ele comprasse o apoio de parlamentares com barganhas orçamentárias e concessões para escapar do afastamento do mandato com a abertura de uma ação penal, a primeira apresentada contra um presidente da República na história do país. Mas a blindagem o tornou refém de uma rebelião na base aliada, que pede mais favores para salvá-lo de uma possível nova denúncia.

Rodrigo Janot tem ainda duas semanas, antes de deixar a Procuradoria-Geral, para apresentar essa segunda denúncia contra o presidente que levaria a uma nova votação da Câmara dos Deputados sobre a continuidade de Temer. E, em decorrência disso, o presidente teria que se envolver em mais uma barganha para garantir o voto favorável dos deputados. Uma das ameaças novas para o Governo é o acordo de delação premiada do doleiro Lúcio Funaro, com fortes ligações com o PMDB, ainda que, por enquanto, o ministro relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, tenha pedido a Janot que retifique alguns dos pontos do acerto fechado com o réu.

Um dos responsáveis pelo pedido de impeachment protocolado na Câmara contra Dilma, o jurista Miguel Reale Júnior, se desfiliou do PSDB depois que as tramas de propina para Temer foram reveladas, em protesto à manutenção do apoio tucano ao presidente. O jurista diz que sua intenção era acabar com a “corrupção sistêmica” promovida pelo PT, mas não apoia a impunidade de Temer. Até agora, no entanto, ele não apresentou nenhum pedido de impeachment contra o presidente – já existem mais de 20 protocolados na Câmara. “Temer demonstrou que a política brasileira permite a sobrevivência de quem sabe fazer da política um balcão de negócios. Isso ele soube fazer e é lamentável que tenha tido sucesso com a compra da rejeição do processo criminal”, afirmou Reale Júnior ao EL PAÍS.

Um ano depois do impeachment, o grupo que articulou a derrubada de Dilma conseguiu escapar até agora da abertura de ações penais, por lentidão do Supremo Tribunal Federal, embora alguns já estejam denunciados pela Procuradoria-Geral da República e caminhem para o banco dos réus por esquemas revelados na Operação Lava Jato e em outras investigações. A exceção ocorre para quem perdeu o foro privilegiado. Ironicamente, o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB) demonstrou que não existe sorte sem azar. Foi dele a participação mais importante na queda de Dilma, quando reagiu ao avanço da Operação Lava Jato e permitiu a abertura do processo de impeachment como presidente da Câmara dos Deputados. Mas também foi ele o primeiro político do consórcio que derrubou Dilma a ser alcançado pela Justiça. Pouco depois de iniciar o impeachment, foram localizadas suas contas bancárias no exterior, o que deu início à cassação de seu mandato no Congresso e abriu caminho para que ele fosse preso e condenado a 15 anos de prisão. Hoje, cumpre pena no Complexo Médico Penal de Pinhais, no Paraná.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), um dos articuladores da queda de Dilma, é investigado em inquéritos, mas ainda não foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República e se beneficia da lentidão com um jogo duplo – segura pedidos de impeachment contra Temer, mas se apresenta nos bastidores como um nome desimpedido para ocupar o Palácio do Planalto caso Temer seja afastado. Ele é o articulador mais bem posicionado no condomínio do impeachment.

Ministérios foram distribuídos aos líderes partidários da aliança que derrubou a petista. Mas a formação original do Governo Temer se desfez conforme se apresentaram denúncias contra os titulares das pastas. Dos valetes de Temer transformados em ministros, dois já foram presos e respondem a processos – Geddel Vieira Lima (PMDB), hoje em prisão domiciliar, e Henrique Eduardo Alves (PMDB), detido no Rio Grande do Norte. O senador Romero Jucá (PMDB) foi a primeira baixa da guarda ministerial, mas virou líder do governo no Senado e já acumulou três ações penais desde o impeachment.

Também caminha para o banco dos réus o círculo mais íntimo de aliados do presidente, considerado a “quadrilha de Temer” por  Rodrigo Janot. Esse grupo é investigado pelo crime de formação de organização criminosa e reúne os ministros Moreira Franco, Eliseu Padilha e o ex-assessor presidencial José Yunes. Todos foram artífices decisivos da queda de Dilma e da blindagem de Temer no Congresso, mas também se dirigem para o mesmo ostracismo em que vive a ex-presidente (livre, até agora, de ações penais).

Ainda assim, Temer se beneficia do silêncio das ruas e da condescendência dos movimentos como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem pra Rua, que promoveram várias manifestações para tirar Dilma do Planalto. A historiadora Céli Regina Jardim Pinto, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autora do livro A Banalidade da Corrupção: uma forma de governar o Brasil, avalia que Temer se beneficiou de protestos minguados contra seu Governo, mesmo depois de denúncias de corrupção, porque só havia forças com aglutinação suficiente para retirar o PT da Presidência da República.

“Os manifestantes não apoiavam Temer ou um novo projeto. Queriam apenas acabar com o PT. Mas pessoas que fizeram campanha para tirar Dilma estão muito assustadas com o que fizeram, porque Temer só se preocupa em se salvar”, afirma a historiadora.

Sustentáculo de Temer perante a classe empresarial, a recuperação da economia não deslanchou, mas trouxe alguma confiança do mercado. Só que a melhora da atividade foi prejudicada pelo custo de sobrevivência do presidente no Congresso, que teve de detonar o ajuste fiscal para fazer concessões a parlamentares e se manter no cargo. Essa falta de resultados logo motivou críticas de economistas que, no início do governo Temer, tinham alguma boa expectativa. “Com a remoção de Dilma havia chance de mudar rumos. Mas comecei a perceber pouco tempo depois o oportunismo. Na discussão do teto dos gastos públicos vi pela primeira vez como críticas construtivas nunca seriam aceitas pelo governo Temer, o que é uma coisa grave”, afirma a economista Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins.

“Não há dúvida que não estaríamos em situação tão ruim quanto estamos se não fosse a necessidade de Temer e de outros políticos de se defenderem a qualquer custo das acusações contra eles, sejam elas fundamentadas ou não”, acrescenta.

Na fila da salvação econômica, a situação de Temer é exatamente oposta à de Itamar Franco com o mesmo tempo de governo, avalia o economista Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda com o presidente que substituiu Fernando Collor de Mello. Isso porque Temer até conseguiu destravar rápido uma agenda de mudanças, com a aprovação de um teto para os gastos públicos e uma reforma trabalhista, mas esse programa reformista acabou estagnado pela necessidade de blindagem ao presidente no Congresso contra as denúncias de Janot. Itamar, ao contrário de Temer, demorou a deslanchar, a formar uma equipe capaz de lançar um novo programa econômico, mas em um ano já tinha iniciado a implantação do Plano Real e a estabilização do país. “Temer começou melhor, mas a partir de certo momento ficou absolutamente comprometido com essas acusações de corrupção. E Itamar era um homem acima de qualquer suspeita. Essa é a grande superioridade dele sobre o Temer. Itamar não era tão articulado com as lideranças políticas como Temer é, mas talvez por isso Temer seja tão vulnerável”, avalia Ricupero.

O sapateado reformista de Temer escondeu seu verdadeiro perigo. “Ele tinha todas as condições para, mesmo impopular, ter méritos reconhecidos. No plano econômico, houve algumas vantagens. Mas, no plano político, foi sem dúvida desastroso e demonstrou que continuou com as mesmas práticas que sempre caracterizaram o PMDB”, critica Reale Júnior.

Antes da trama da JBS, Temer já tinha se livrado de investigações por propinas da Odebrecht e da Engevix, porque os casos ocorreram antes do exercício do mandato presidencial e, portanto, ficam imunes a investigações até a saída dele do Palácio do Planalto.  “O lobo perde o pelo, mas não perde o vício”, critica Reale Júnior, em referência ao presidente. Mas a batida da Operação Lava Jato na porta de Temer é um perigo atemporal.