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Sob machadadas, Ceará tem primeira possível vítima do transfeminicídio

4 de janeiro de 2018

Fonte: Esquerda Diário

Por Virgínia Guitzel

Apesar de ainda não haver confirmações, e nenhuma repercussão na grande mídia, o movimento trans acredita que a vítima era uma travesti no início de sua transição. Seguiremos exigindo a investigação do caso, que, independente da vítima, é uma atrocidade impar.

Um vídeo de 47 segundos está sendo difundido no WhatsApp mostrando a frieza com que os crimes de ódio contra LGBTs são executados. Cinco garotos assassinam brutalmente de forma covarde uma pessoa enquanto outro filmava. Parece uma repetição do caso Dandara, que apesar da repercussão segue sem julgamento.

Eu abri o vídeo que recebi no grupo do Setorial LGBT da CSP-Conlutas e o espanto e o horror me subiram a pressão. Cenas brutais de ódio e frieza revelam como somos covardemente assassinadas. Não com um tiro ou um corte que cumpre seu objetivo, mas com centenas de machadadas, pauladas, gritos, chutes, socos mesmo após o corpo já não responder. São 6 meninos, aparentemente menores de idade e já alimentados pelo ódio à diferença, à diversidade, destroem o corpo e, mais, a vida, os sonhos e a perspectiva de mais uma pessoa, que tudo indica ser uma mulher trans, e de centenas de outras como eu que vivem constantemente sob a mira dos 35 anos como perspectiva de vida, da prostituição, das favelas e moradias precárias, da solidão das relações afetivas, família e demais instituições.

Ela, ninguém sabe o nome. Nem sabemos ainda se é ela, mesmo. Não apareceu em nenhum jornal ainda, talvez sequer tenha uma nota. Dandara foi só um emblema, por baixo da bandeira, por trás da visibilidade que está na TV avançando dia a dia, do horário nobre à Malhação, está a nossa carne fraca. A nossa carne que não vale mais do que um programa de prostituição, nessa sociedade capitalista.

Há quem diga que o capitalismo não tem nada a ver com isso. Como não? Como não tem a ver se é sob a divisão de classes que se busca controlar os corpos e manter a opressão presente nos castigos secretos que se escondem todas estas instituições. A escola transmite essa ideologia, esconde a nossa existência para não “influenciar” a ideia de que somos normais. A Igreja faz campanha aberta contra nossa “perversão”. Os políticos fazem questão de nos ofender e crescer alimentando o transfeminicidio. A justiça, ah…essa é a mais clara: prende travestis arbitrariamente como Verônica Bolina e deixa impunes nossos assassinatos.

Como é brutal o ódio contra a nossa identidade de gênero. Como o gosto de sangue, o desespero e o futuro tão perigoso quanto temido de viver essa realidade. Daqui 26 dias completo 25 anos. É o dia da visibilidade trans. Mas não estamos falando da boa visibilidade com Pablo, Linn, Pepita, Lia, Raquel Virginia… não. É a visibilidade nos próximos 5 anos que me fazem cruzar uma estatística. São os passos cotidianos que sentimos medo, sentimos ódio, sentimos o quanto somos frágeis. Quantas vezes não pensamos se vamos conseguir chegar em casa? Se aquela proposta é de amor ou ódio? Se riem e pararão por ai, ou se querem nosso sangue — sempre após gozarem. Não lhes parece estranho tesão e vergonha, desejo e ódio na mesma frase? Viemos sob este constante paradoxo.

Como ainda não há confirmações sobre a vítima, me faço pensar porque é tão fácil acreditar que esta seja uma vítima do transfeminicidio. É, talvez, porque somos o país que mais mata pessoas trans? Será porque Dandara foi o primeiro caso a ser reconhecido como transfobia, enquanto mais de outras 100 mortes foram esquecidas? Talvez seja porque estamos nos acostumando com a barbárie capitalista de ceifar nossas vidas? Por que vivemos sob este perigo e medo constantemente que um vídeo que circule com tal dúvida já aumente nossas angustias?

Nós sabemos o peso de pisar nas ruas de dia, de olhar por muito tempo para uma mesma pessoa, do desprezo, comentários e risos por onde passamos, no tesão e no ódio que provocamos. Sabemos que este caso não é só possível, como um fato cotidiano que é asfixiado todos os dias pela grande mídia e pela naturalização que tentam nos impor que viveremos sempre pela metade.

Se não transformarmos nosso ódio e indignação com mais esse caso em organização, que nos permita deixarmos de ser vitimas impotentes e nos transformar coletivamente numa força capaz de enfrentar toda a forma de opressão e exploração derrubando este sistema e nossos algozes. Se não olharmos para nós com a tarefa de pôr um fim a esta barbárie completa que somos submetidas, não vale a pena viver. Não faz sentido. Nenhum!