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Reduzir maioridade penal para 16 anos provará que desistimos do futuro, por Leonardo Sakamoto

3 de janeiro de 2018

Fonte: UOL | Blog do Sakamoto

Por Leonardo Sakamoto

Foto por Moacyr Lopes Junior | Folha

Um número chama a atenção na nova pesquisa Datafolha sobre o apoio à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. A medida encontra menos respaldo entre os ateus (65%) do que entre aqueles que se declaram religiosos. O número é próximo aos que seguem religiões de matriz africana, 67% apoiam a medida – que alcança 86% junto aos católicos, 84% com evangélicos e espíritas e 91% com os adeptos de outra religião.

Em média, a maioria da população segue apoiando a medida, com 84% – mesmo índice de 14 anos atrás. O que não é novidade para um país que se entrega ao autoengano das soluções rápidas e ineficazes para o medo da violência cotidiana.

Não tenho os números estratificados do levantamento e pode ser que isso seja uma distorção estatística, dada a pequena quantidade de ateus entre os entrevistados na amostra. Ou esteja diretamente relacionada ao nível de escolaridade desse grupo. Contudo, é interessante constatar que a proposta seja mais rechaçada por aqueles que afirmam não acreditar em nada do que pelos que dizem crer em Cristo.

Se quiséssemos realmente dissuadir a participação de jovens, o melhor seria endurecer as penas para adultos que se utilizam deles para cometer crimes. Mas não, queremos sangue, queremos o ”olho por olho, dente por dente” presente no Velho Testamento, do livro de Êxodo, capítulo 21, versículo 24.

Talvez pela bíblia ser um livro tão grosso não tenha dado tempo dos cristãos brasileiros chegarem ao Evangelho de Mateus. Em seu capítulo 5, versículos 38 a 48, há uma releitura da Lei de Talião que afasta a vingança e busca outra forma de entendimento da humanidade e da Justiça. Tão forte é este trecho do Sermão da Montanha que se tornou uma das bases dos direitos humanos modernos.

Sim, se você vocifera contra os direitos humanos, comece queimando o Novo Testamento.

Diante de uma taxa de homicídios que supera regiões com guerra aberta e declarada, é compreensível que uma sociedade assustada busque soluções rápidas para a sua própria segurança. Mas as mudanças legislativas para redução da maioridade penal em discussão no Congresso Nacional, mesmo as intermediárias, em que o jovem de 16 anos seria enquadrado como maior de idade apenas em crimes considerados hediondos e casos específicos (como homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte) são de um simplismo temerário.

Quem ganha com essas saídas? Políticos e ”falsos profetas” que oferecem o discurso do medo, viciando uma sociedade que, depois, ficará ansiosa para comprar as soluções simplistas que prometem paz vendidas por esses mesmos atores sociais, ao custo de ”votem em mim” e ”venham à minha igreja”.

Precisamos de soluções estruturais e não medidas pontuais de punição que vão apenas alimentar o ódio de quem já sente que foi abandonado pelo resto da sociedade à sua própria sorte. Não é simplesmente punindo o jovem em desacordo com a lei, mas também criando condições para que ele não caia nas mãos de alguma facção criminosa.

Como já escrevi aqui antes, um dos maiores acertos de nosso sistema legal é que, pelo menos em teoria, protegemos os mais jovens – que ainda não completaram um ciclo de desenvolvimento mínimo, seja físico ou intelectual, a fim de poderem compreender as consequências de seus atos. Completar 18 anos não é uma coisa mágica, não significa que as pessoas já estão formadas e prontas para tudo a partir daquele momento. Mas é uma convenção baseada em alguns fundamentos biológicos e sociais. E, o importante, é que as pessoas se preparam para esse marco de tempo e a sociedade se organiza para essa convenção.

Podemos mudar a convenção, mas isso não garante que a sociedade mude junto e se adapte a essa nova realidade. Pois o problema não é a idade, mas como preparamos as novas gerações para viverem em sociedade. E como cuidamos delas. Se jovens de 14 começarem a roubar e matar, mudamos tudo novamente? E se for aos 12? Aos dez? Olha que, aos oito, alguns já sabem empunhar uma arma e dizer ”isso é um assalto”.

Ninguém está defendendo bandido. Até porque, adolescentes que cometeram infrações são internados, principalmente os negros e pobres – afinal temos um sistema de Justiça racista. Defende-se aqui uma saída racional para um problema existente.

Tenho medo de indivíduos que assaltam, roubam e matam. Porém, também tenho medo de uma sociedade que não fala, apenas rosna diante do desconhecido. Afinal, essa sociedade continua não conseguindo se diferenciar de seus ancestrais que tacavam pedras no escuro porque temiam a noite.

Essa vingança institucionalizada representada pela redução da maioridade penal significa, de certa forma, uma declaração da falência do Estado, de inviabilidade do futuro e de incapacidade da sociedade de encontrar saídas racionais. Significa a vitória do ”cada um por si e Deus por todos”.

Mas Deus, qualquer nome que ostente, não tem nada a ver com isso. Se ela ou ele existir, deve sentir, neste momento, um desgosto grande com sua criação.