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Ocupações de prédios em SP estão em condições melhores do que prefeitura imaginava

7 de agosto de 2018

Na terça-feira (31/07) a Prefeitura de São Paulo divulgou um resumo do relatório de visitas realizadas em maio e junho para examinar as condições de segurança em  51 prédios ocupados em São Paulo. Apesar dos inúmeros questionamentos sobre as condições de segurança nas ocupações, conforme depoimento do Secretário de Habitação, Fernando Chucre, o relatório mostra que as condições encontradas foram estavam muito melhores do que o esperado pela prefeitura.

As ocupações apresentam problemas sanáveis, à exceção de um prédio, que já foi interditado pela prefeitura e dois que ainda se encontram sob exame acerca da necessidade de interdição. A realização deste levantamento foi uma iniciativa da prefeitura, anunciada após o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida. Foi realizada por um Grupo Executivo coordenado pela Secretaria de Segurança Pública, que incluiu também as secretarias de Habitação, Direitos Humanos, Infraestrutura e Obras, Assistência Social, além de representantes dos movimentos de moradia, assessorias técnicas e universidade.

O tipo de problema encontrado em algumas ocupações – falta de rota de fuga ou extintores, assim como algumas ligações irregulares de eletricidade – são na verdade presentes e recorrentes em boa parte do espaço construído da cidade. Edifícios feitos nas décadas de 1940-1970 foram aprovados sob uma legislação de segurança muito diferente e menos exigente do que a atual. Além disso, a durabilidade  e segurança de uma edificação está intimamente relacionada às estratégias utilizadas para sua manutenção e recuperação. Assim, boa parte das deficiências encontradas nas visitas aos 51 prédios ocupados são perfeitamente sanáveis e estão presentes em um conjunto muito maior de edificações.

Em muitas edificações, inclusive, poderiam ser aplicadas medidas relativamente simples e pontuais e que podem representar, na prática, um ganho importante em termos de melhoria de segurança e prevenção de incêndios, como a ampliação do PREVIN (Programa de Prevenção contra Incêndios em Assentamentos Precários) para as ocupações.

O secretário afirma também que a postura da prefeitura é, em conjunto com movimentos de moradia, viabilizar o máximo possível iniciativas que promovam a melhoria das condições de segurança, para que as famílias possam permanecer no local, evitando ao máximo a necessidade de interdições. Para isso foi proposto um Grupo de Trabalho Permanente, que irá discutir a elaboração de um plano de atuação para implementar medidas de qualificação da segurança nas ocupações.

O relatório também traz evidencias sobre a gravíssima crise da moradia que atinge o país e a cidade de São Paulo. O trágico  acidente do Largo do Paissandu trouxe à tona a ponta de um iceberg de uma problemática que demandará esforços permanentes ao longo de décadas, em todos os territórios da metrópole.

Ao contrário também das suspeitas que foram levantadas, de que as ocupações são negócios privados de exploração comercial, o secretario de Habitação também afirma que nos 51 edifícios visitados não foram encontrados indícios da presença de exploradores privados coletando aluguéis dos moradores. As estimativas sobre aspectos sociais dos moradores encontrados nas ocupações revela que se trata de uma população extremamente vulnerável que não encontra alternativas de moradia na cidade. Ao todo foram contabilizadas cerca de 3.500 famílias nas 51 ocupações visitadas, totalizando mais de 10.500 pessoas. Foi constatado que em  86% das ocupações residem idosos, em mais de 61% pessoas com deficiência e em 58% das ocupações moram imigrantes e refugiados de diversos países de três continentes, incluindo países como Bolívia, Peru, Haiti, Venezuela, Angola, Congo, Costa do Marfim, Guiné Bissau, Palestina, China, Síria, entre outros.

Finalmente, é importante considerar que metade dos imóveis ocupados possuem dívida ativa, atingindo cerca de R$ 132 milhões de reais. A média da dívida em relação ao valor venal é de 16,43%, havendo casos em que a dívida representa 62% do valor venal do imóvel.

No territórios centrais, cobertos de infraestrutura e históricos investimentos públicos, caberá uma atuação dedicada e focada na perspectiva do cumprimento da função social da propriedade dos milhares de imóveis ainda abandonados – que encobrem, no mais das vezes, descaso e privilégio – cujo ônus pesa por sobre todos os cidadãos.

O reconhecimento público da atuação cidadã e legítima da população de baixa renda organizada nos movimentos de moradia que luta pelo direito à habitação, de um lado, e do potencial dos prédios abandonados das regiões centrais, de outro, constituem-se ingredientes centrais de uma politica urbana que priorize a dignidade humana, a democratização dos espaços públicos, a defesa dos bens comuns e a promoção do direito à cidade.

 

Por Raquel Rolnik*, Talita Gonsales e Francisco Comaru

*Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito – São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).

Fonte: Blog A Cidade É Nossa, de Raquel Rolnik | UOL