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Mães de Maio e Madres de Plaza de Mayo: Que Tipo de Mãe Eu Quero Ser?

29 de dezembro de 2017

Fonte: The New York Times

Por Vanessa Barbara, correspondente brasileira

Este não foi o melhor ano para muitos de nós. Meu país, por exemplo, pareceu andar orgulhosamente para trás ao longo de 2017, e o próximo ano promete menos direitos e ainda mais desigualdade. O Brasil está regredindo tão rápido que eu quase consigo avistar no horizonte uma esquadra de caravelas portuguesas chegando para nos colonizar novamente.

Alguns dos recentes contratempos valem ser mencionados: eu perdi meu principal emprego há um tempo e muitos dos meus amigos estão desempregados. As passagens de ônibus provavelmente vão aumentar de novo. A febre amarela é mais uma vez uma ameaça iminente. Pessoas estão cozinhando com lenha porque não podem pagar o gás. O Brasil permanece um líder em desigualdade de renda. Nossas taxas de homicídio ainda são astronômicas (enquanto a maioria das vítimas é pobre e negra). E a temporada de boas tangerinas acabou.

Então, dois meses atrás, quando descobri que estava grávida, eu soube exatamente o tipo de mãe que estava destinada a me tornar: uma persistente mãe com raiva, carregando uma orgulhosa tradição Latino-Americana. Algo entre as famosas argentinas das “Madres de Plaza de Mayo” (que são chamadas de “las locas” por parte do governo que quer estigmatizá-las como doidas) e as brasileiras Mães de Maio (que são consideradas por muitos como prostitutas, traficantes e defensoras de criminosos).

Eu quero pegar como modelos não aquelas mães que gastam toda a sua energia obcecadas com a decoração do bercário, mas aquelas que embalam seu bebê com um braço e tentam depor um governo ilegítimo com o outro.

Mães de Maio é um grupo de mulheres ativistas criado após a polícia matar cerca de 500 civis no estado de São Paulo, em poucos dias, em maio de 2006. As mortes em massa foram uma retaliação pelos assassinatos de dezenas de oficiais (em sua maioria policiais) em ataques coordenados pelo PCC. De acordo com um estudo do Centro Internacional de Direitos Humanos da faculdade de Direito de Harvard e da ONG brasileira Justiça Global, ao menos 122 das mortes de civis tinham traços de execuções ilegais. Quase todos destes casos foram encerrados sem indiciamentos.

As Mães de Maio foram inspiradas por suas irmãs argentinas, as Madres de Plaza de Mayo, que passaram as últimas quatro décadas pressionando o governo por informações sobre o paradeiro de seus filhos e familiares, desaparecidos durante a ditadura militar que mandou na Argentina de 1976 a 1983. Toda quinta-feira, Las Madres circulam pela principal praça de Buenos Aires, recitando os nomes de algumas das cerca de 30 mil pessoas detidas, sequestradas e assassinadas nesse período. Muitas das mães carregam fotografias de seus entes queridos. O ritual é triste e comovente.

Membros dos dois grupos, argentino e brasileiro, já foram ameaçadas, assediadas e até mortas por seu ativismo. Uma das mães diz que o mesmo policial que assassinou seu neto já a ameaçou mandá-la para a prisão por tráfico de drogas.

“Mas eu não tenho medo algum”, diz Débora Maria da Silva, uma das fundadoras das Mães de Maio. “Depois de tudo, eu não tenho mais nada a perder: meu filho era o meu maior tesouro”. Débora também diz não se sentir intimidada pela polícia porque ela é, de fato, uma autoridade. Mães certamente ocupam uma posição de autoridade na América Latina desde a colonização ibérica.

Durante uma visita ao México, em 1979, o Papa João Paulo II, discursando na Basílica de Nossa Senhora de Zapopán, declarou que a fé e a devoção à Virgem Maria eram parte da identidade Latino-Americana, “a verdadeira expressão da alma de um povo”. É verdade que ao longo da região nós veneramos a mãe de Jesus. (O santuário mais popular do Brasil é dedicado a Nossa Senhora Aparecida, a padroeira de nosso país.)

Talvez nós admiremos sua implacável esperança diante de atrocidades, sua fé em momentos de tristeza, sua resiliência e, especialmente, sua ideia de maternidade não como uma celebração de si mesma ou mesmo de seu filho — que, aliás, também era o filho de Deus, então ninguém poderia culpá-la — mas a maternidade como um autêntico compromisso com os outros. E como as Mães de Maio, ela luta em nome das crianças de outras mulheres, principalmente das pobres e necessitadas.

Maria também é um modelo, afirmou o Papa, “para aqueles que não aceitam passivamente as circunstâncias adversas da vida pessoal e social.” E como se não fosse o bastante, ela “promove justiça, liberta os necessitados, mas, acima de tudo, testemunha o ato de amor que constrói Deus nas almas.”

Com a benção de Nossa Senhora Aparecida, eu espero que esta gravidez leve a uma mãe boa, brava e desobediente. Pode não deixar muito tempo para chás de bebê, mas eu prefiro assim.