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Amigo de Aécio, Ricardo Teixeira e cia. | Ronaldo, de herói do penta a fenômeno do ativismo em causa própria

15 de junho de 2018

Destaque na abertura da Copa, ex-goleador da seleção mantém nos negócios e na política o faro oportunista que o consagrou nos gramados

Ronaldo exibe camiseta em manifestação no início de 2015. | Foto por Werther Santana/Agência Estado

Artilheiro do pentacampeonato mundial com a seleção brasileira, em 2002, Ronaldo Nazário voltou a ser escalado em uma Copa do Mundo. Dessa vez, ele foi atração da cerimônia de abertura na Rússia, ao lado do cantor Robbie Williams. Como no Mundial passado, ainda será comentarista da Rede Globo nas partidas do Brasil. A reaparição com pompas de Ronaldo, que mantém inabalada a imagem de ídolo, pelo menos para o mercado, parceiros comerciais e patrocinadores, contrasta com sua escanteada verve política.

De herói do penta a fenômeno do ativismo em causa própria, do cidadão que pretendia usar o prestígio de atleta consagrado para melhorar o país ao astro que saiu de cena após o mar de lama da corrupção engolir seu candidato a presidente nas últimas eleições, Ronaldo deixa cada vez mais claro que só entra em campo na boa, jogando para a torcida até o ponto em que o vento sopra a seu favor.

Camuflado entre apadrinhamentos por conveniência e acordos comerciais, o faro oportunista que ostentava nas áreas adversárias se converte em gol contra nas investidas pela política

Recentemente, antes de embarcar para a Rússia, ele estrelou um comercial da Empiricus, empresa de análise financeira conhecida pelo tom apocalíptico e agressivo de suas campanhas de marketing. Ronaldo empresta a voz ao seguinte discurso publicitário: “Jogador de futebol tem carreira curta. São poucos os que ganham dinheiro. E dos que ganham, raríssimos os que conseguem manter o padrão de vida quando se aposentam. Eu posso dizer o contrário. Eu ganhei dinheiro, mesmo depois que me aposentei dos gramados. E o que eu fiz de diferente? Aprendi a andar com as pessoas certas.”

Constata com precisão a realidade da maioria dos jogadores, que pecam pela falta de planejamento pós-carreira. Porém, para quem há até pouco tempo se dizia comprometido em se portar como um padrão de ética e conduta para o Brasil, Ronaldo mostra desfaçatez ao justificar seu sucesso econômico bradando ter aprendido a andar com as pessoas certas.

No mundo fenomenal, o que viriam a ser “pessoas certas”? Ricardo Teixeira, a quem ele bajulou defendendo sua permanência no comando da CBF? Marco Polo Del Nero, com quem tentou negociar contratos de patrocínio antes da Copa no Brasil? Ou Aécio Neves, amigo de longa data que recebeu seu apoio incondicional na última campanha à Presidência da República? Todos eles indiciados pela Justiça por suspeitas de corrupção.

O endosso a Aécio expôs o frágil engajamento de Ronaldo com a causa pública. Não pelo candidato que escolheu, pois é saudável que jogadores e ídolos do esporte tomem partido, se posicionem sobre questões nacionais, independentemente do tema ou da orientação ideológica. Mas sim por confundir militância com oportunismo político.

Logo que o senador tucano foi derrotado nas urnas, Ronaldo engrossou as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff e posou com a camisa: “A culpa não é minha, eu votei no Aécio”. Depois que o ex-governador de Minas Gerais foi sugado pelo escândalo de propina envolvendo a JBS, o Fenômeno, que via com bons olhos a possibilidade de se tornar ministro do Esporte em um eventual governo do candidato do PSDB, tirou seu time de campo da política.

Jamais voltou a mencionar publicamente o tucano que agora responde a nove processos no STF por acusações de corrupção. Questionado sobre o tema, adota o discurso de que “não é o momento de procurar culpados”. Seria sensato pensar assim, já que, em uma democracia, nada mais compreensível que mudar de opinião, mantê-la ou reconhecer a desilusão por um voto. Entretanto, foi justamente Ronaldo um dos primeiros a caçar culpados ao debochar com o lema de que a culpa não era sua. A aventura de militante na política se resumiu a lançar uma pedra ao mar e correr dos respingos.

“É um grande ídolo. Agora, politicamente, o Ronaldo é zero, um copo d’água em cima da mesa. Se beber, bebeu. Se não beber, fica aí. Nunca apitou porra nenhuma na política. Já ouvi comentários de que ele tem interesse em se candidatar”

Romário, hoje senador, teceu uma crítica pertinente ao comportamento “camaleão” de seu ex-companheiro de ataque na seleção brasileira. “O cara era Dilma antes da Copa. A Copa acabou, passou a ser Aécio. Ele foi a favor da Copa do Mundo. Depois, meteu o pau”, disse o pré-candidato ao governo do Rio pelo Podemos. Ronaldo integrou o Comitê Organizador da Copa. Enquanto protestos se espalhavam pelo país, ele chegou a dizer que “não se faz Copa com hospitais”, defendendo os gastos do governo federal em estádios. Após o Mundial, passou a ser crítico das obras superfaturadas e entrou de cabeça na campanha em prol de Aécio Neves.

Ronaldo na abertura da Copa da Rússia. | Foto por Alexander Nemenov/AFP

Em que pese suas próprias contradições e a fama de falastrão, Romário também fez leitura cirúrgica sobre a maleabilidade do Fenômeno no campo político: “Ele é um grande ídolo. Agora, politicamente, o Ronaldo é zero, um copo d’água em cima da mesa. Se beber, bebeu. Se não beber, fica aí. Nunca apitou porra nenhuma na política. Já ouvi comentários de que ele tem interesse em se candidatar. Se um dia virar político, aí, sim, ele vai deixar de ser um copo d’água”.

Evidentemente que não é preciso ocupar um cargo público para exercer o papel de cidadão. Mas, para uma figura célebre do porte de Ronaldo, pega mal se vender como personalidade preocupada com os rumos do país apenas quando os amigos precisam de uma mãozinha.

Incoerências à parte, o antigo centroavante da seleção continua sendo uma máquina de ganhar dinheiro fora dos gramados. Fundou uma empresa de marketing esportivo, a 9ine, em 2010. Entre sua cartela de clientes estava Neymar, maior craque brasileiro da atualidade. Ronaldo nunca enxergou conflito de interesses ao conciliar a função de comentarista da Globo na última Copa com a de gestor da imagem do principal jogador da seleção. Embora tenha encerrado as atividades da 9ine por causa da crise econômica, ele é sócio da Octagon, que cuida dos patrocínios de Gabriel Jesus, herdeiro da camisa 9 que um dia foi de Ronaldo.

Como criticar com isenção o cliente que depende da opinião pública para gerar novos contratos publicitários? A indiscutível habilidade de transitar rapidamente entre universos tão diferentes parece ajudar nessas horas. Ronaldo não se constrange em trocar as bandeiras que levanta de acordo com aquilo que lhe convém. Basta lembrar 2008, quando fazia juras de amor ao Flamengo, que assegurava ser seu time do coração, mas, depois de fechar com o Corinthians, virou corintiano de carteirinha.

É inegável que sua história vitoriosa no futebol e na seleção não está em xeque pelos posicionamentos dúbios depois de pendurar as chuteiras, assim como é louvável a iniciativa de bancar a Fundação Fenômenos, que promove atividades de inclusão social em bairros de periferia. Mas, camuflado entre apadrinhamentos por conveniência e acordos comerciais, o faro oportunista que ostentava nas áreas adversárias se converte em gol contra nas investidas pela política. Enquanto estiver mais preocupado em ganhar dinheiro e andar com as “pessoas certas”, Ronaldo dificilmente conseguirá se estabelecer como um exemplo positivo no jogo democrático. Ainda que volte a subir em outro palanque nas próximas eleições, já deu mostras suficientes de que o interesse em manter a prosperidade de seus negócios se sobrepõe ao suposto compromisso de ajudar a melhorar o Brasil.

 

Por Breiller Pires

Fonte: El País Brasil