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Esquerda Online entrevista Guilherme Boulos: “Em 2018, é preciso barrar a agenda do golpe”

12 de janeiro de 2018

Fonte: Esquerda Online

Por Gisele Peres

Foto por Coletivo Comunicadores Sem Medo

Cotado como candidato do PSOL à Presidência da República, Guilherme Boulos faz uma avaliação do ano de 2017 e aponta perspectivas para as lutas em 2018, que encontrará como principal desafio barrar a Reforma da Previdência, com votação prevista para fevereiro. Boulos ainda destaca o direito democrático da candidatura petista de Lula: “É uma necessidade de toda a esquerda, mesmo que discorde do programa apresentado pelo Lula, mesmo que tenha diferença com as políticas – seja no arco de alianças ou de não ter aprendido lições do processo do golpe – como nós temos também essas diferenças, defender o direito de Lula ser candidato. O que está em jogo nesse momento é uma unidade em torno da defesa da democracia”, afirmou em entrevista exclusiva para o Esquerda Online.

EO: Mesmo impopulares, Temer e sua base aliada no Congresso conseguiram aprovar parte significativa das reformas e do ajuste fiscal. Na sua avaliação, que lições podemos tirar de 2017?

Guilherme Boulos: 2017 foi o ano em que o programa do golpe se consolidou no país. Já no fim de 2016, haviam aprovado a Emenda Constitucional 95, com o congelamento de investimentos sociais por 20 anos. Depois a aprovação, já em 2017, da Lei da Terceirização e na sequência a Reforma Trabalhista. É verdade que não conseguiram aprovar a Reforma da Previdência que era o carro chefe das medidas antipopulares, mas os retrocessos vieram não apenas através dessas grandes reformas, contrarreformas melhor dizendo, mas também nos ataques ao Pré-Sal e uma série de medidas antinacionais e no avanço de um programa de privatizações do patrimônio público.

Ou seja, a agenda do golpe progrediu durante esse ano apesar das resistências populares. Não é verdade que não tenha havido luta, houve resistência. Não podemos esquecer que em março do ano passado ocorreram manifestações extremamente importantes, desde o Oito de Março, dia de luta das mulheres, o 15 de março que foi um dia de paralisações em todo o Brasil. Posteriormente, no 28 de abril nós tivemos uma das maiores greves gerais da história do país, seguida do Ocupa Brasília no fim de maio com mais de 200 mil pessoas em que a Esplanada dos Ministérios se transformou numa praça de guerra, inclusive com o Governo Temer chamando o Exército para reprimir as mobilizações. O primeiro semestre do ano foi marcado por grandes mobilizações que ajudaram inclusive a deter parte da agenda, como a própria Reforma da Previdência. É verdade que nós não conseguimos manter esse patamar de mobilizações no segundo semestre.

Podemos tirar disso duas conclusões fundamentais: A primeira é de que há um retrocesso democrático no país. Um governo com 3% de aprovação, um congresso desmoralizado, virarem as costas para o sentimento da maioria da população que é contra essas medidas, e seguirem independentemente da opinião social, realizando a agenda é uma expressão clara do esvaziamento democrático no nosso país. E uma segunda conclusão é que evidentemente a mobilização precisa ir para um outro patamar. As nossas vias e forças de mobilização foram insuficientes para deter o retrocesso e isso deve nos colocar o desafio de pensar de que maneira a esquerda e os movimentos sociais devem atuar para reconstruir um patamar de mobilização que seja mais efetivo para conter esses retrocessos.

EO: O MTST completou 20 anos em 2017. Para além da luta por moradia, o movimento representa a defesa das cidades, ao mesmo tempo em que foi o polo que articulou a Frente Povo Sem Medo. Qual a importância da unidade entre os movimentos sociais, sindical e estudantil diante da conjuntura do país?

Guilherme Boulos: Os 20 anos do MTST foram muito simbólicos. Nós comemoramos os nossos 20 anos fazendo a maior ocupação do país, que foi a Povo Sem Medo de São Bernardo do Campo, que se transformou em um polo importante e simbólico da luta social brasileira e da resistência como um todo – e ainda permanece resistindo. Terminamos o ano com um grande show, com mais de 40 mil pessoas em São Paulo, no Largo da Batata, com Caetano Veloso e vários artistas, prestando homenagens aos 20 anos do nosso movimento.

Foram 20 anos de muita luta, de trabalho de base, de organização das periferias e de resistência. O MTST, ao longo da sua trajetória, sempre se preocupou com uma construção mais ampla; nós sabemos que não somos suficientes, nós sabemos que por mais força que possa ter um movimento, sozinho não é capaz de enfrentar efetivamente os desmandos da direita e do capital no nosso país. Por isso, a aposta na unidade é fundamental. É nesse espírito que nós ajudamos a estimular a Frente Povo Sem Medo, é nesse espírito também que temos atuado na unidade de ação em diversas frentes e com várias forças sociais e políticas. Nesse momento ainda mais: é um momento de retrocessos, é um momento de ofensiva do lado de lá e por isso é um momento em que nós precisamos ter a mais ampla unidade em relação as pautas fundamentais da resistência.

Nós entendemos que é preciso muita unidade para enfrentar a continuidade das reformas. Querem botar para votar a Reforma da Previdência em fevereiro, ou seja, enfrentar a continuidade da agenda do golpe, enfrentar o golpe. É preciso também muita unidade para enfrentar os retrocessos democráticos, que hoje têm uma de suas expressões na tentativa do judiciário de impedir “no tapetão” o direito do Lula ser candidato. É preciso ter, portanto, uma grande frente de defesa dos direitos e da democracia que seja ampla e forte o suficiente para que a resistência possa ser vitoriosa.

EO: A plataforma VAMOS buscou apresentar um novo programa para o Brasil a partir do acúmulo de debates nas redes e nas ruas, contemplando a diversidade de representações e de posicionamentos políticos. O que você destaca dessa experiência? Qual a síntese desse programa?

Guilherme Boulos: O VAMOS tem sido uma experiência extraordinária, que foi capaz de no segundo semestre de 2017 juntar diferentes setores, agregar uma diversidade de representações e opiniões políticas para pensar um projeto de futuro para o país. Nos debates do VAMOS – foram 55 debates, em 24 cidades brasileiras – participaram sem-tetos, indígenas, trabalhadoras e trabalhadores, movimentos de comunicação e cultura, movimento feminista, movimento negro, movimento LGBT, lideranças políticas, intelectuais, gente de partidos de esquerda, gente que não é de partido algum, ativistas em geral.

Esse processo foi muito rico e permitiu uma experiência de baixo para cima, debatendo nas praças, possibilitou a construção de alguns consensos democráticos. O resultado inicial do VAMOS que foi apresentado em Recife, no final de novembro, não é uma coisa que se pretenda pronta ou um programa definitivo e, sim, um acúmulo de debates vivos e dinâmicos feitos com amplos setores.

Para além disso, também houve a plataforma virtual, com mais de 130 mil pessoas acessando e deixando suas contribuições, uma ferramenta de participação de rede similar aquelas que têm acontecido em várias experiências de esquerda no mundo. Então, nós acreditamos que o VAMOS é muito simbólico e ajuda a plantar sementes de novas configurações e novos caminhos na esquerda brasileira. E não vai parar por aí, o que nós vimos no ano passado foi uma primeira etapa do VAMOS, a abertura de um debate, e nós pretendemos levar isso adiante durante o ano de 2018, especialmente levando essas discussões com mais força para as periferias.

EO: O dia 24 de janeiro será decisivo para o rumo das eleições presidenciais em 2018. Será  o julgamento dos recursos do ex-presidente Lula, condenado pelo juiz Sérgio Moro pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Qual a sua avaliação sobre esse processo? Defender o direito democrático da candidatura de Lula se confunde com a defesa da conciliação de classes dos governos petistas?

Guilherme Boulos: Dia 24 teremos uma grande batalha em defesa da democracia. Se nós observarmos, a condução do processo da Lava Jato contra o Lula é uma verdadeira aberração jurídica. Lula foi condenado em primeira instância sem qualquer prova material, de maneira casuística, com uma atuação evidentemente política e arbitrária do juiz Sérgio Moro.

Aliás, que expressa procedimentos que têm sido reiterados em vários momentos da Lava Jato: delações premiadas sem qualquer critério claro das suas aceitações, divulgação ilegal de grampos, abuso de prisões provisórias e preventivas, conduções coercitivas, uma relação promíscua com setores da imprensa.

A própria antecipação do julgamento do TRF4 para o dia 24 foi escandalosa, ajustando os prazos para impedir Lula de concorrer nas eleições. Então, nesse sentido, se trata num primeiro momento de impedir e denunciar o abuso judicial de uma condenação sem provas. Mas, ao mesmo tempo, isso tem muita relação com o processo eleitoral porque existe um casuísmo evidente de querer resolver as eleições no tapetão do judiciário. Impedir Lula significa isso. Nós entendemos que é um desafio de toda a esquerda defender o direito do Lula ser candidato.

Se trata, na verdade, de uma nova fase do golpe, um aprofundamento do golpe. E da mesma forma que nós enfrentamos o golpe e defendemos o mandato da Dilma, muito embora discordássemos de caminhos que foram tomados pelo seu governo, nós achamos que é necessário nesse momento defender o direito do Lula ser candidato e enfrentar essa nova etapa do golpe independentemente de termos discordâncias com o programa político e eleitoral que Lula oferece para a sociedade. Ou seja, é uma defesa democrática. É disso que se trata. É uma necessidade de toda a esquerda, mesmo que discorde do programa apresentado pelo Lula, mesmo que tenha diferença com as políticas – seja no arco de alianças ou de não ter aprendido lições do processo do golpe – como nós temos também essas diferenças, defender o direito de Lula ser candidato. O que está em jogo nesse momento é uma unidade em torno da defesa da democracia

EO: Seu nome é reivindicado como uma das principais lideranças que podem impulsionar uma Frente de Esquerda Socialista e uma candidatura presidencial do PSOL em 2018. Como você avalia os desafios que estarão colocados para os movimentos sociais durante esse período?

Guilherme Boulos: Esse é um debate em curso, ainda não há definição. Tem ocorrido conversas entre a direção do MTST, dirigentes do PSOL e aliados nossos a respeito dessa possibilidade de uma participação eleitoral neste ano. Os desafios dos movimentos sociais, no nosso entendimento, nesse processo eleitoral são dois fundamentalmente.

O primeiro é enfrentar o golpe em curso. Isso se expressa, como dissemos, na tentativa de obstruir o Lula, mas não somente. Isso também se expressa nas propostas de semi-parlamentarismo que têm aparecido com cada vez mais frequência na boca de gente como Gilmar Mendes e do próprio Michel Temer; isso se expressa na necessidade de garantir que os setores mais retrógrados da sociedade não bloqueiem ainda mais o que restou de ambiente democrático no país. Esse é um desafio fundamental. Isso passa também por enfrentar as alternativas da direita, e o crescimento de figuras como Jair Bolsonaro querendo canalizar o sentimento de anti-política para um retrocesso político ainda maior.

E um segundo desafio é que o momento eleitoral coloca a necessidade de debater um projeto de país. Nós vemos a agenda do golpe sendo implementada, penalizando as maiorias, e é preciso aprender com as lições desse processo. É preciso entender que o momento é outro. O momento atual não permite avanços do ponto de vista de direitos sociais, avanços das pautas populares do país sem enfrentamento decidido aos privilégios, sem colocar o dedo na ferida de questões fundamentais. Na economia, o enfrentamento aos bancos e ao sistema financeiro; a necessidade de uma reforma tributária progressiva. Na política, a necessidade de uma democratização profunda, que apresente uma saída popular à falência do sistema da Nova República. Dentre vários outros debates programáticos, muitos deles colocados pelo próprio VAMOS.

É um momento de enfrentamento e a esquerda precisa saber colocar esses temas no centro da agenda. Senão as políticas de retirada de direitos novamente serão vendidas como única “alternativa”.

A margem de manobra para soluções intermediárias, soluções de centro, soluções de conciliação é muito reduzida. Portanto, é necessário que a esquerda pense e que os movimentos sociais pensem alternativas para a saída dessa crise. O VAMOS e todo esforço que fizemos de debates programáticos nos ajudou a indicar alguns caminhos do que seria hoje um programa de esquerda para o país. Evidentemnete, ainda é muito insuficiente. Nós precisamos aprofundar esse debate, e também se valer do aquecimento do debate político na sociedade para questionar o projeto do golpe e apresentar possibilidade de um projeto de enfrentamento que efetivamente represente as maiorias.